GASTRONOMIA CARNE NA LATA XAVANTE IGUARIA SABOR COZINHA TRADIÇÃO CARNE DE PORCO NA BANHA CARNE DE LATA CARNE DA LATA CONFIT CONSERVA CARNE NA BANHA CARNE NA GORDURA
Carne suína ganha espaço em restaurantes e derruba mitos
Aquele animal gordo, sujo e perigoso está mais para o imaginário que para a realidade. O porco contemporâneo é esbelto, limpinho, criado em confinamento com higiene controlada e alimentado com ração --não com restos de comida. Mesmo sem ter se desfeito dos estigmas do passado --de que tem alto teor de gordura e colesterol, transmite doenças mortais e é produzida em condições insalubres--, a carne suína é a mais consumida no mundo. Esse patamar foi alcançado pelo reforço pesado da China, é certo --e pela queda da oferta de carne bovina, o.k. Mas, no Brasil, nota-se um crescimento progressivo da procura por essa carne. "A tendência é que a exportação também cresça, principalmente agora, que a presidente [Dilma Rousseff] abriu o mercado da China", diz Jurandi Soares Machado, da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína. Com preços mais acessíveis, o produto tem se multiplicado nas mesas de restaurantes, preparado com técnicas apuradas, como choque térmico e cozimento longo em baixa temperatura. Pelas mãos de chefs o porco ganha leituras apoiadas em cortes ousados (além da trinca lombo-costela-bisteca). E as crendices sobre esse alimento são postas de lado. BANHA Depois de trazido ao Brasil pelos colonizadores portugueses, no século 16, o porco brilhou em festas populares, onde era servido inteiro. Até a década de 50, a extração da banha era o principal uso que se fazia desse animal. Ela tinha duas finalidades: era usada como base para cozinhar e, na ausência de geladeira, conservava carnes, imersas na gordura. Com a expansão da eletricidade e o surgimento dos óleos vegetais, a banha deixou de ser proveitosa e abriu alas para a carne. As porcentagens de gordura e colesterol da carne suína diminuíram, o que a torna comparável à bovina e ao frango, para a engenheira de alimentos Cinara Shibuya. Parte dessa tese é compartilhada pela doutora em ciência de alimentos, Neura Bragagnolo. "Na pesquisa, a carne suína mostrou o mesmo teor de colesterol que o filé de frango e a carne bovina, independentemente do corte." Quanto à gordura, pouco se fala sobre a seguinte característica da banha do porco: por ser disposta em uma camada, é mais fácil de ser separada da carne. O mesmo não se repete no boi, que tem a gordura entremeada. Para o cardiologista e nutrólogo do Hospital do Coração, Daniel Magnoni, não interessa a origem animal e sim a quantidade de gordura saturada da carne. "Cortes de porco hoje têm menos dessa gordura que bovinos." Quanto ao medo de doenças que podem ser transmitidas por porco, como teníase e cisticercose, a resposta dos especialistas é unânime: com os criadouros atuais, a chance de o suíno se tornar hospedeiro de verme e contaminar alguém é quase nula. Fonte: Folha.com 12/05/2011 - 02h32Carne suína ganha espaço em restaurantes e derruba mitos LUIZA FECAROTTA DE SÃO PAULO |
Tem porco na lata (e longe da geladeira)
Clássico da culinária caipira, o pernil é cozido em fogo lento e depois conservado na própria banha: jeito antigo de cozinharVocê já experimentou a carne conservada na própria banha? No Brasil, ela é chamada de carne de lata e feita geralmente à base de porco. Mas na cozinha tradicional francesa esse método leva o nome de confit, sendo famoso o de pato. A receita francesa clássica, feita da coxa e sobre coxa do pato imersas em gordura, até hoje faz sucesso com os mais diversos acompanhamentos. A palavra confit vem do verbo francês confire e quer dizer conservar. Desde tempos imemoriais, muito antes de essa preparação entrar para a alta cozinha, o método de confitar já era usado para a conservação de carnes na gordura ou de frutas no açúcar (confeitadas). Herdamos dos portugueses o hábito de fazer a carne de lata, principalmente com porco. Nesse último final de semana fui até Gonçalves, no sul de Minas Gerais, que fica a 200 quilômetros de São Paulo, e matei as saudades dessa carne de sabor tão concentrado e especial. Minha mãe fazia porco na lata quando morávamos numa fazenda, em Cambé, no Paraná. Meu pai matava o porco e, como não tinha geladeira, a carne ficava por meses na banha e não estragava de jeito nenhum. Dona Basília usava o mesmo método para conservar a carne de boi. Fazia com ela almôndegas e colocava-as na banha. Voltando à minha passagem por Gonçalves: ali, um pouco afastado do centro, no bairro dos Venâncios, fica o sítio e restaurante da Dona Vilma. Ela faz uma cozinha caipira autêntica. Entre suas especialidades, está a carne de lata - seus clientes devoram 40 quilos de pernil de porco desossado por semana, totalizando 160 quilos por mês. ![]() Foto: Luiz Henrique Mendes No fogão a lenha, a carne cozinha em fogo baixo e lento até ficar bem macia O processo da carne de lata é demorado, leva mais de um dia. Primeiro, a banha de porco tem de ser frita em um tacho, reservando o torresmo. Depois, essa mesma banha vai para uma lata grande onde o pernil será cozido com ele mais um pouco de água. Tudo no fogão à lenha, por três horas em fogo baixo e até que a carne fique macia - a temperatura de cocção não pode ultrapassar os 90 graus, para que a carne não frite. Isso nada mais é do que um tipo de cozimento lento, à baixa temperatura, técnica tão usada hoje pela chamada vanguarda culinária. Após essa etapa, o pernil é retirado da banha e dourado em alho e sal. A carne volta de novo para a lata e vai ao fogo brando para que a gordura penetre. Nesse momento, é importante que se cubra totalmente o pernil com a banha. “Se não fizer isso pode ficar um vão e aí a carne embolora”, diz Dona Vilma. Depois é deixar a carne esfriar, de um dia para o outro, cobrindo a lata com um pano. “Nesse momento não pode tampar, senão a tampa transpira e estraga a carne”, diz. Ao esfriar, a banha talha e forma uma camada protetora, impedindo o contato com o ar. Assim, a carne pode ser guardada por meses sem precisar ir à geladeira. Depois, é só pegar os pedaços, esquentar e comer. As facilidades da vida moderna tornaram rara a carne de lata, que virou iguaria. De um lado, o porco na lata na lata está no cardápio do restaurante Dalva e Dito, de Alex Atala, cuja proposta é reunir referências do Brasil colonial em releituras mais contemporâneas. De outro, está Dona Vilma, ativa da culinária tradicional brasileira, tão rica quanto saborosa. Quem disse que só a cozinha francesa tem confit? SERVIÇORestaurante da Dona Vilma – Bairro dos Venâncios, Gonçalves, Minas Gerais, tel. (35) 9837-0896/ 9988-6874. Abre de sexta a domingo. Fonte: iG COMIDAS Quitutes e quitandasIngredientes, receitas e curiosidadesSobre o ColunistaGuta Chaves - gutachaves@gutachaves.com.br - Guta Chaves é jornalista e escritora na área de gastronomia. É co-autora dos livros Larousse da Cozinha Brasileira e Gastronomia no Brasil e no Mundo, da editora SENAC |